RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS: A POLÊMICA DO USO DE ESPÉCIES EXÓTICAS, COM PARTICULAR ATENÇÃO ÀS LEGUMINOSAS DE RÁPIDO CRESCIMENTO
Claudio A.A. Santana - Engenheiro Florestal, MSc.
A recuperação de áreas degradadas pode se valer de diversas técnicas. A recomposição da vegetação é a mais comumente utilizada, ou, pelo menos, o aspecto mais visível e mais rapidamente percebido da atividade. No entanto, existem particularidades associadas às diversas situações encontradas no processo. Desta sorte, podemos associar as metodologias selecionadas para recuperação às seguintes circunstâncias:
- Solos: em geral, áreas degradadas apresentam solos desestruturados, com baixa fertilidade e com características físicas que dificultam o estabelecimento de plântulas. Além disso, se estabelecem processos erosivos que aprofundam a degradação.
- Cobertura vegetal: em muitas situações, as áreas degradadas são ocupadas por vegetação empobrecida, composta prioritariamente por gramíneas. Em certos casos, como no da espécie Panicum maximum (capim-colonião) ocorre intensa competição por luz, água e nutrientes, seja com a regeneração natural, seja com a vegetação implantada. Adicionalmente, a combinação de áreas abertas com gramíneas sazonais resulta em uma alta freqüência de incêndios, que se soma à competição para retardar ou impedir o processo de sucessão.
- Hidrologia: as áreas desprovidas de adequada cobertura arbórea se tornam mais sujeitas á deflagração de processos erosivos, causados pelo desordenamento dos fluxos d’água superficiais e subsuperficiais.
Existem outras variáveis, mas por ora, limitemo-nos às supramencionadas.
A recuperação de áreas degradadas, nas situações em que a recomposição da vegetação é recomendada, deve priorizar a utilização de espécies autóctones em relação aos ecossistemas regionais, o que, somado à adequada planificação de atividades e ao desenho da distribuição de da proporcionalidade entre as espécies, deve levar à formação de uma floresta o mais próximo possível das formações originais da região onde está sendo efetuada a atividade. Para fins de entendimento do que são espécies autóctones, comumente denominadas nativas, normalmente são consideradas aquelas típicas do ecossistema outrora existente no local, ou ainda, aquelas de ampla dispersão geográfica, cuja área de ocorrência inclua o local da recuperação. É fundamental a adaptação das espécies às condições climáticas e edáficas do sitio a ser revegetado.
Diversos estudos demonstram que as espécies arbóreas dividem-se em grupos conforme a resposta à luz, podendo ser divididas, de modo simplificado, em pioneiras (vida curta, alta produção de sementes, regeneração via banco de sementes, rápido crescimento, dispersão por vento ou animais), secundárias iniciais (comportamento semelhante a pioneiras, porém com regeneração via banco de plântulas), secundárias tardias (especialistas em ocupação de clareiras, padrões particulares de regeneração, dispersão geralmente por vento) e climácicas (germinação e desenvolvimento á sombra, crescimento lento, vida longa, dispersão por animais) (Budowski, 1965). Todos estes grupos devem ser considerados na montagem dos modelos de recuperação, respeitando-se a proporcionalidade esperada para cada caso, a ser estabelecida através da realização e consulta a estudos fitossociológicos previamente efetuados na região.
Em muitos casos, dada a dificuldade de enquadramento, considera-se apenas dois grupos, compostos respectivamente pelas pioneiras e pelas não-pioneiras, diferenciadas essencialmente pela resposta à luz e à velocidade de crescimento (Whitmore, 1988). Esta divisão é bastante conveniente para o desenho de modelos de recuperação.
Existem teorias que procuram estabelecer modelos de sucessão, de maneira a facilitar seu entendimento e simplificar as intrincadas relações concernentes ao desenvolvimento da comunidade vegetal em determinado sítio. De maneira geral, e de forma a embasar os estudos relacionados à recuperação de áreas degradadas, entende-se que as pioneiras normalmente se estabelecem nas áreas degradadas, sendo capazes, por seus atributos, de modificar as características locais, através da deposição de nutrientes via serapilheira, da retenção de umidade, da alteração microclimática resultante da cobertura de copas e do estabelecimento de um novo padrão lumínico decorrente do sombreamento. Estas alterações influem decisivamente no estabelecimento de espécies com maior grau de exigência, num processo genericamente denominado facilitação (Connel e Slatyer, 1977).
O grupo de espécies de colonização inicial de áreas degradadas inclui um componente extremamente relevante do ponto de vista do conceito de faciltiação: as leguminosas. Este grupo, atualmente enquadrado na família botânica Fabaceae, conforme o sistema APG III, possui parte de suas espécies dotadas da capacidade de associação com bactérias fixadoras de nitrogênio. Estas bactérias, originalmente enquadradas no gênero Rhizobium (hoje revisto e dividido em diversos outros gêneros), utilizam o nitrogênio atmosférico em seu metabolismo, disponibilizando-o posteriormente para as plantas na forma de amônia. Esta reação única permite a estas leguminosas ocupar os terrenos mais empobrecidos quimicamente, como taludes de corte ou rejeitos de mineração.
No caso especifico das leguminosas, a facilitação ocorre principalmente através da alteração direta das propriedades do solo, pelo aporte maciço de nitrogênio e pelo retorno da ciclagem de outros nutrientes. O rápido crescimento normalmente observado nestas espécies permite, ainda, a reativação de outras funções ecossistêmicas tais como regulação do regime hídrico superficial, redução da insolação e conseqüente redução da temperatura do solo, formação de serapilheira, complexação estrutural interna da comunidade e supressão de espécies heliófilas capazes de atrasar o processo sucessional, como gramíneas alóctones.
O caráter facilitador das leguminosas, associado a seu crescimento, capaz de proporcionar rápida cobertura de solos, torna este grupo extremamente valioso para a recuperação ambiental, podendo ser pensado o papel de espécies tutoras no caso da implantação de modelos com fins de restabelecer a sucessão, ou como cobertura exclusiva em situações específicas.
Assim como no caso de outros grupos, a prioridade deve ser dada ás espécies autóctones. Entretanto, a potencialização do efeito benéfico destas plantas está condicionada ao conhecimento profundo da associação com microorganismos - o que permite selecionar as linhagens mais adequadas de bactérias para cada espécie de leguminosa. Também é necessário o domínio da silvicultura da espécie, abordando-se a fenologia, coleta e armazenamento de sementes, germinação, sobrevivência, produção de mudas, sociabilidade, ciclo de vida, entre outros atributos.
Muitas espécies alóctones de leguminosas possuem eficiência comprovada na recuperação de áreas degradadas, já possuindo um pacote tecnológico desenvolvido por instituições respeitadas, em especial a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA. Naturalmente, muitas leguminosas autóctones se agregam a este elenco; no entanto, existe ainda um grande potencial a ser explorado entre as nativas.
Um aspecto particularmente importante é a localização de matrizes de espécies nativas, com a respectiva obtenção de sementes. Muitas vezes, esta produção não atende às necessidades no caso de plantios em larga escala, havendo a necessidade de complementação com alóctones.
A seleção de espécies estranhas aos ecossistemas regionais deve ser feita com rigoroso critério, devendo ser evitadas aquelas de comportamento comprovadamente invasivo. Neste caso, é preciso se distinguir o que é invasora (expande-se sobre áreas naturais, com prejuízo sobre as espécies locais) e ruderal (prolifera em áreas perturbadas, dificultando o desenvolvimento de espécies locais) (Grime, 1977; Costa e Durigan, 2010), com base rigorosamente técnica, dispondo-se de todas as informações que se puder obter de fontes confiáveis. A seleção deve se limitar a espécies de vida curta, utilizadas em proporção que não comprometa o desenvolvimento das outras espécies. Muitas leguminosas alóctones apresentam declínio quando sombreadas, ou simplesmente apresentam ciclo de vida curto, reduzindo sua importância no ecossistema após alguns anos da implantação. A adequada distribuição destas espécies no desenho do plantio pode proporcionar a progressiva abertura de clareiras e conseqüente enriquecimento e progressivo aumento da complexidade estrutural através de propágulos oriundos da chuva de sementes.
Parrotta et. al. (1997) descrevem que a regeneração artificial via plantios com múltiplas finalidades podem se constituir em formas de recompor, ainda que parcialmente, a biodiversidade dos ecossistemas locais. A adequada seleção de espécies permite que ocorra a complexação interna dos plantios, sendo descritos casos em plantios de gêneros diversos, inclusive diversas leguminosas, como Leucaena e Albizia.
Nichols et. al. (2001) citam as vantagens do plantio intercalado de Inga edulis com uma espécie madeireira, Terminalia amazonica. Os autores constataram que após 2 anos a leguminosa possuía diâmetro de copa médio de 153 centímetros, e, através da deposição de folhedo e retorno de nutrientes ao solo, permitiu um crescimento diferenciado da espécie de interesse econômico em relação aos outros tratamentos testados, sem a adição de qualquer fertilizante.
Lugo (1997) falou sobre o aparente paradoxo relacionado ao restabelecimento de biodiversidade nos trópicos utilizando-se plantios florestais. O autor lembra que os plantios geram maior volume de biomassa em relação a florestas secundárias, o que é um fator importante quando se trata de acelerar a sucessão. De maneira geral, as espécies introduzidas podem cumprir o papel de facilitadoras para o ingresso de espécies autóctones, incrementando a diversidade de forma progressiva. E neste caso, as leguminosas, por sua característica de fixação de nitrogênio e aceleração da ciclagem de nutrientes, se constituem numa importante feramenta.
Parrotta et. al. (1997-II) apresenta resultados de um plantio em mineração de bauxita na Amazônia, após 10 anos. Os autores constatam que havia 40% de cobertura de copas sobre a área, com a entrada de 75 espécies novas em adição às 70 introduzidas no plantio original. O mesmo autor (1999) compara a regeneração natural sob plantios de Casuarina equisetifolia, Eucalyptus robusta e Leucaena leucocephala em Porto Rico, constatando que a regeneração era mais abundante sob Casuarina, porém sob Leucaena e Eucalyptus a riqueza e a diversidade foram superiores.
Ewel e Putz (2004) discutem o papel das espécies alóctones na restauração ambiental. Os autores demonstram ser possível a obtenção de uma serie de benefícios, como o papel de plantas tutoras de muitas alóctones, regulação de ciclos biogeoquímicos, abrigo e forrageamento para a fauna nativa, e um dado pouco citado: evitar a ocupação do terreno por novas espécies exóticas. Este ultimo exemplo é bastante aplicável, podendo ser citado o reflorestamento misto – incluindo leguminosas de rápido crescimento – realizado em encostas da cidade do rio de Janeiro recobertas com a gramínea Panicum maximum, que comprovadamente retarda o processo sucessional nestes sítios, através da competição por luz, água e nutrientes, e da propagação de incêndios no período mais seco do ano.
Este texto não pretende esgotar o assunto, nem tampouco possui caráter cientifico. O objetivo é tão somente fornecer subsídios para iniciar uma reflexão e discussões com base técnica, sem mitos ou dogmas.
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