30/06/2009 - O estigma de vilão vivido pelo eucalipto e os preconceitos contra essa árvore, às vezes, beiram as raias do absurdo. Não se tem a noção exata de como e onde eles se iniciaram, nem se explica como se alastraram feito uma praga. O fato é que estão cristalizados no imaginário popular, gerando fábulas e fantasias que se transformam em episódios como o que relatamos abaixo, onde o preconceito se mistura perigosamente a dogmas religiosos, induzindo os incautos à satanização do eucalipto.
O Calendário do Dízimo de 2004, da Paróquia Bom Pastor, Bairro Dom Cabral, em Belo Horizonte, foi montado com a contribuição de vários católicos do Brasil inteiro, que desfilaram belíssimos conceitos e expressaram sua convicção de que o dízimo, mais do que uma doação é uma partilha. E mais, deixaram claro que essa partilha é uma profissão de fé em Deus, nos Sacramentos e no amor ao próximo.
O amor e a fé são fundamentos espirituais característicos a todos os homens de bem, independente de sua cultura, crença ou religião. Nesse contexto os Sacramentos, assumidos e sempre presentes nas cerimônias religiosas e nas convicções dos católicos, são dogmas irretocáveis e constituem os pilares da Igreja Católica Apostólica Romana.
Talvez por ser fevereiro um mês atípico, a folha-calendário do dízimo, relativa a esse mês, traz uma contribuição, no mínimo bissexta, do padre Marino Van de Ven, da paróquia Santa Rita de Cássia, de Miradouro, cidade da Zona da Mata de Minas Gerais, que destoa inteiramente do conteúdo espiritualmente elevado das outras mensagens e nos convida a uma reflexão profunda sobre as fronteiras entre dogmas e preconceitos. O texto, denominado Eucaliptos e Abobreiras, diz o seguinte:
“Numa comunidade, uns são Eucaliptos; outros, Abobreiras.
O eucalipto sobe muito, muito alto, aparece demais.
Mas não oferece fruto algum. Gasta muita seiva só para
manter toda aquela pose e seca o terreno ao redor.
Na abobreira, ao contrário, não há aparências a manter.
Então, toda seiva vira fruto. Debaixo dela, o terreno é fértil: ela acaba devolvendo à terra muito mais do que dela retira.
Na sua comunidade, você é Eucalipto ou abobreira?
Descubra pelos frutos.
Pense nisso, quando chegar o momento de
ofertar o Dízimo”
Quisesse o Pároco, na sua parábola, exortar os fiéis a praticar a humildade, indicando que o caminho é ser rasteiro como a cucurbitácea abóbora e não elevado como a mirtácea eucalipto, ambas famílias do reino vegetal de Deus, até dá para entender.
Esqueceu-se, entretanto, o Reverendíssimo Padre, de que a obra do Criador é perfeita e que, como a própria Igreja proclama, Ele fez o homem à sua imagem e semelhança. Ora, como ficaria a pregação, se o ente ereto, alto e cheio de pose fosse Adão (imagem e semelhança de Deus) e o rasteiro fosse a serpente que seduziu Eva, ofereceu-lhe o fruto proibido e expulsou o casal do Paraíso?
Quando fala do eucalipto, dos frutos da abobreira e da relação de cada planta com o solo, as afirmações do padre descambam para o desconhecimento e desinformação, de forma descompromissada com a realidade. Os conhecedores do assunto sabem que a abóbora é rica em proteínas e por isso retira, com seu fruto, muitos nutrientes do solo. Esses nutrientes, no eucalipto, localizam-se mais nas folhas e nos ramos finos e, ao contrário do que o padre afirma, em grande parte ficam no terreno após a colheita. No tronco colhido predominam o carbono retirado do ar e o hidrogênio. Ambos são apartados do oxigênio, que é generosamente emitido para a atmosfera, purificando o ar que respiramos.
“Quem não sabe o que procura, não reconhece o que encontra”.
A enciclopédia Delta Larousse assim descreve o eucalipto: “Árvore da família das mirtáceas, adaptada aos solos mais diversos, em latitudes e altitudes opostas e de valor incomparável pela rapidez do crescimento, qualidade da madeira e facilidade de aclimação”.
Se o eucalipto secasse o solo, como disse o Padre, seria uma árvore suicida, pois como toda planta, ele necessita de água para sobreviver. O eucalipto cresce muito, sim, e no seu processo de crescimento retira o nocivo gás carbônico do ar, oferecendo em troca o saudável oxigênio, além de boa madeira para produzir o conforto e o bem-estar do homem. Substitui as árvores nativas nos fogões a lenha, nas serrarias, nas siderúrgicas, nas fábricas de celulose; e os combustíveis fósseis petróleo e carvão mineral na produção de energia, preservando os ecossistemas naturais e contribuindo para melhorar o clima do planeta.
Um poeta escreveu: “...mas o amor de que falo é outro e cá comigo matuto: É fácil negar a árvore, quando não se conhece o fruto”.
O fruto, às vezes, é uma fruta, como no caso da abóbora. Mas também pode ser o resultado de um trabalho, um bem ou um serviço. Os frutos do eucalipto estão no dia-a-dia de todos nós – no ferro do fogão a gás ou na lenha, nas panelas de barro ou de ferro, na mesa de madeira, aço ou nos tecidos de Tencel; nos talheres de aço, no guardanapo, nos alimentos embutidos (lingüiça, salsichas e outros), nos sorvetes e no filtro coador de café. Estão no papel higiênico e na pasta de dentes. Estão, humildemente, na moldura interna dos sofás da sala e na estrutura dos telhados. Estão em materiais de limpeza e em medicamentos. Estão na geração do chip do computador e do telefone celular, assim como da fibra ótica que interliga os telefones fixos. E nos acompanham no ferro e aço dos automóveis e outros meios de transporte.
Nada contra o Jerimum nordestino, o Mogango Sul Mineiro, a Menina Brasileira, a Italianinha ou, até mesmo, a híbrida japonesa Tetsukabuto. Todas são excelentes abóboras e importantes componentes do cardápio brasileiro. Mas abobrinhas, esconjuro!
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